Mergulho na Imagem

 

 

A operação de deslocar a imagem do seu habitual suporte para outros obje- tos assume novas dimensões no trabalho Mergulho na Imagem, parte da sé- rie Deslocamentos2, no qual tijolos de vidro recompõem a imagem de uma saltadora ornamental no instante em que ela gira o seu corpo no espaço. A imagem, translúcida e distorcida, convoca congelados corpos fantasmáticos e subverte o movimento dinâmico e veloz dos corpos e das imagens de esportes. Essa obra de Mussi narra não o salto, a competição, a rigidez e o ri- gor dos movimentos, e sim a delicadeza, a frieza e o lirismo da imagem es- tática do corpo em movimento. Como o legado de Eadweard Muybridge nos mostra, há uma poesia que só enxergamos na paralisia letárgica do tempo.

Uma poética da reversibilidade se apresenta: a transparência e o vidro evocam a água e a delicadeza fluida do corpo suspenso no espaço, maculando a opacidade da imagem; os fantasmas fluidos de Mussi se revelam através de superfícies translúcidas, em ambientes escuros e instalações que transportam o espectador para a temporalidade lenta e fria do avesso – podemos pensar que Alice, ao atravessar novamente o espelho, encontraria em Wonderland as obras de Ana Vitória Mussi.

A ideia de mergulhar na imagem, como se houvesse uma secreta pro- fundidade, faz parte do jogo poético e erótico de Mussi: permitir que o olhar penetre e mergulhe em um mundo radicalmente duplo e ambíguo. Ao evocar uma certa ambiência fluida e aquática, espectador e imagem realizam trânsitos distintos: enquanto o olhar penetra, a imagem da mulher que salta para algum lugar (para dentro da imagem?) permanece congelada em uma eterna promessa… de acordo com Gilles Deleuze (1997:31), é nas profunde- zas que horríveis combates acontecem, os corpos se misturam e os sentidos se dispersam; mergulhamos nessas profundidades das imagens de Mussi.