Arpoador

 

Arpoador

No conjunto que forma “Arpoador”, é possível ver as transmutações entre a matéria orgânica que serviu de referência para o artista e as próprias fotogra- fias, que abrem a percepção dos fenômenos naturais e sociais que desfilam naquele território delimitado. A pedra e a pele se confundem e, reinven- tadas na imagem, circulam e se refazem em cada aparição; exposta na galeria, no livro, na tela ou projetada, a imagem ganha um corpo. “Arpoador” é formado por várias séries: Topológicas,  Balada de um Corpo

Solar, Contornando Poças, Aquarpex, Pedras de Toque (figura 1), Zig Zag, Respiros, Esferas-Ouriço, Bolhando e Maquete de Praia. Cada uma dessas séries segue uma pesquisa distinta, tendo como base a trans- formação daquele espaço público no ambiente onde se dão as ações. O conjunto de imagens tem em comum o fato de terem sido fotografa- das na ponta do Arpoador, no Rio de Janeiro, e apontam de modo mais ou menos explícito para relevantes trabalhos da história da fotografia no campo da arte, fornecendo outras camada para a leitura do trabalho.

Em uma fotografia da série Balada de um Corpo Solar, o próprio artista aparece deitado sobre a areia enquanto uma onda do mar é congelada pelo corte do obturador antes de envolver por completo todo o seu corpo. Nesse limite, entre a completa imersão, que implica a sus- pensão de todas as referências, e a visão panorâmica de alguém que conhece profundamente a técnica, o mercado e a história da arte, Bonisson assume a posição de um flâneur à deriva nas referências e nos page71image1008afetos construídos ao longo desse itinerário. Para ele, é também preciso esquecer o rumo e o passado para ouvir o silêncio do presente. Desafio que se propõe ao utilizar a fotografia, que já se apresenta como técnica de produção de memória. O artista parece usá-la para esquecer e instaurar o presente absoluto da experiência sensível.

Como fotógrafo e colecionador, Bonisson faz a operação de reco- lher a imagem do objeto que, ao sair do circuito em que tinha uma utili- dade ou um valor de troca, faz outras reivindicações que haviam ficado contidas. No lugar de uma lembrança (como uma fotografia que nos fita como o registro de um acontecimento), temos o vestígio de um encon- tro que deixou sua marca em um corpo. Do objeto passa-se ao objeto imagem. Vestígio de algo, que passa a ter um lugar em algum arquivo. Recolher ou produzir esse índice, retirá-lo e reinseri-lo em outro territó- rio é tarefa do fotógrafo inventariante. Colocá-lo em um lugar onde ele se alinhe com outras forças que produzam uma constelação, é a tarefa do artista colecionador. Em cada série de “Arpoador”, Bonisson busca o paradigma que orienta a sua escolha. Bolhas, poças, pedras, corpos solares, esferas, respiros; elementos orgânicos que se manifestam nas fotografias que nascem e se agrupam por semelhança. O artista per- segue o paradigma, que se mantém atualizado na coleção. O principal elemento da coleção é o objeto paradigmático, que está em todas as unidades. Ao expor as séries, o artista apresenta esse objeto em suas formas múltiplas. Metamorfoseando-se, as imagens se aproximam em função de um tipo comum que se distingue em cada caso particular.

Ao expor suas coleções no conjunto “Arpoador”, Bonisson coloca em movimento várias forças. Não se trata de uma síntese, mas de um momento de suspensão onde se apresenta o paradigma sob a tensão de sua atualização. Se o paradigma é aquilo que orientou a sua coleção, deixá-lo perceptível é colocá-lo em atrito com o atual para constituir a partir dele um comum. Bonisson traça suas táticas de resistência, compondo com as forças que insistem em se atualizar e o conduzem a um tipo de gesto. A montagem coloca essas forças em tensão, promovendo desvios e visibilidades que se abrem em cada objeto e na sua relação com a série.